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Canal do Panamá eleva o comércio com a Ásia

Quando o navio "Andronikos", da China Cosco, cruzar o canal do Panamá no domingo, uma nova era vai se abrir para o comércio entre Ásia e Estados Unidos - razão pela qual o canal foi expandido. No Brasil, a rota ampliada deve beneficiar principalmente as exportações de soja com destino à China, mercado-chave que poderá ser acessado mais rapidamente e com navios maiores a partir do Norte e Nordeste. Contudo, neste momento, o ganho logístico para o agronegócio brasileiro não deve superar o custo total do contorno da África - rota marítima que o Brasil usa para se conectar ao Extremo Oriente.

A opção pelo canal permitirá reduzir em 4,5 dias o tempo de navegação entre o porto de Vila do Conde, no Pará, e o de Xangai, na China, sobre a rota do Cabo da Boa Esperança. Uma grande oportunidade dado que a fronteira agrícola no Brasil avança rumo ao Arco Norte. Mas os baixos valores dos aluguéis de embarcações graneleiras e a queda do preço do combustível esvaziam a economia de escala que as tradings teriam se optassem por cruzar o istmo para alcançar a China.


Levantamento feito pelo consultor em transporte marítimo Leandro Barreto, a partir de dados da Overseas, Aries Shipping, Mabux, DryShips Inc. e Baltic Exchange, a pedido do Valor, mostra que em 2013 economizar 4,5 dias de viagem significava uma redução de custo com afretamento e combustível de cerca de US$ 222,7 mil com um navio "capesize" - nomenclatura de grande graneleiro que agora poderá passar pelo canal.

Hoje, a economia não passaria de cerca de US$ 76,5 mil, o que pode tornar desprezível a mudança de rota, pois não paga sequer o pedágio do canal - cujo tíquete médio em 2015 foi de US$ 140 mil. Soma-se a isso o fato de que a passagem pelo Cabo da Boa Esperança é livre de tarifas. "Mas isso pode mudar quando o petróleo voltar a subir e o excesso de capacidade de navios no mercado for eliminado", pondera Barreto.

Essa situação é muito diferente da de poucos anos atrás, quando houve uma corrida de investimentos de tradings e operadores logísticos em portos privados no Norte.

As empresas estavam de olho nas oportunidades que o novo canal lograria ao permitir a grandes graneleiros uma alternativa de saída a portos como o de Santos (SP) - localizado mais distante da produção agrícola.

A expansão do canal do Panamá consiste na construção de um terceiro jogo de eclusas com dimensões maiores que as da via que conecta os oceanos Atlântico e Pacífico desde 1914. O "novo" canal dobrará a capacidade de movimentação - hoje cerca de 3% do volume de cargas mundial circula pela via de 77 quilômetros.

A ampliação foi concebida para melhorar os fluxos intra-Estados Unidos e a conexão do país com a Ásia.

O impacto do canal expandido para o Brasil será diferente para cada tipo de mercado - e por razões diversas.

Granéis líquidos e minério, por exemplo, não devem se beneficiar porque as embarcações que transportam essas cargas são maiores que a via expandida.

Farelo de soja e açúcar são mercados mais pulverizados e com pouca influência do Extremo Oriente. Por isso, num primeiro momento, não terão ganhos de escala. Ainda, a produção do açúcar está mais próxima dos grandes portos do Sudeste - não faz sentido logístico nem econômico a carga "subir" para ser exportada.

No caso do contêiner, que leva principalmente carga industrializada, a aposta é que uma rota pelo novo canal só se viabilizaria se houvesse carga âncora desse tipo em volume justificável no Norte e Nordeste.

Hoje, origem e destino do contêiner no Brasil estão concentrados no Sul e Sudeste.

Fernando Serra, gerente de Estatística e Avaliação de Desempenho da agência reguladora de transportes aquaviários, a Antaq, diz que o canal expandido poderá criar oportunidades para o Brasil. Mas a concretização delas dependerá da competência de um conjunto de fatores, como a capacidade comercial de expandir mercados, redução dos custos envolvidos e melhora da infraestrutura e da produtividade de portos brasileiros - que pouco evoluíram.

Novos terminais de contêineres em Manaus (AM) e Suape (PE), por exemplo, são anunciados há anos, mas não existe previsão do lançamento dos editais.

Dados da Antaq mostram que em 2015 a produtividade - medida pela relação entre a quantidade de contêineres movimentados durante a operação do navio - foi de 38 unidades por hora no Tecon Salvador (BA) e de 44 no Tecon Suape, os principais terminais de contêineres dessas regiões arrendados à iniciativa privada.

A melhor marca do Brasil no período foi do Tecon Santos, com 91 movimentos por hora, um dos poucos terminais do país cuja produtividade se assemelha à de grandes portos no mundo.

"A questão é fazer sentido do ponto de vista do custo total", diz Antonio Dominguez, executivo da Maersk

Fernando Serra é um dos autores do livro "Canal do Panamá: Efeitos da Expansão nos Portos do Brasil", publicado em 2013 pela editora Antaq.

Nele, diz que, apesar de a vocação principal da utilização do canal ser o transporte de contêineres entre a Ásia e os Estados Unidos, o Brasil pode se beneficiar indiretamente do aumento da disponibilidade de transporte "em uma rota de fácil acesso aos contêineres".

De acordo com o livro, a distância reduzida de portos brasileiros a esse fluxo de transporte e a existência de portos concentradores no Caribe são "elementos importantes para o possível aproveitamento dessa nova configuração" da navegação. "Essa situação ainda poderá incentivar a constituição de um porto concentrador de cargas no litoral mais ao norte do país", conclui.

Armadores sopesam neste momento risco e oportunidade de usar o canal ampliado.

Julian Thomas, diretor-superintendente da Hamburg Süd no Brasil e da Aliança, respectivamente líderes no tráfego de contêineres de longo curso com o Brasil e na navegação doméstica (cabotagem), vê potencial a médio prazo. Hoje, a Hamburg Süd escala o Brasil com dois serviços semanais entre a Ásia e a Costa Leste da América do Sul, ambos chegando pelo Cabo da Boa Esperança.

Nenhum atraca diretamente no Norte ou Nordeste - onde a carga chega via transbordo.

Com o novo canal, a Hamburg Süd analisa mudar a rota de um deles, que escalaria direto no Nordeste. Até agora essa não era uma opção por falta de economia de escala: o canal "antigo" só pode receber navios de até 4,5 mil Teus (contêiner padrão de 20 pés).

O novo vai comportar embarcações entre 13 mil e 14 mil Teus, o que reduzirá o custo por contêiner transportado. "Isso é o que muda, não é a questão do volume atual dessa região, que já existe", garante Thomas. O Nordeste movimentou 224,5 mil Teus em 2015 e, tirando pontos fora da curva, o volume na região cresce 15% ao ano.

Contudo, diz Thomas, a falta de "um porto no Nordeste que tenha a capacidade e produtividade para ser um hub [concentrador de cargas] é um fator limitador".

Já a Hapag-Lloyd, outro armador de contêineres, não deverá ter qualquer serviço direto com grandes navios da Ásia para os portos do Norte. "Eles não podem recebê-los", disse em nota. A companhia sustenta que a vantagem será nas rotas entre o Norte da Europa e a Costa Oeste da América do Sul e entre a Ásia e o Golfo Americano/Costa Leste dos Estados Unidos. Para esses trades a Hapag-Lloyd está empregando navios de 10 mil Teus.

Em abril a Autoridade do Canal do Panamá estabeleceu novas tarifas para o estreito.

Quanto maior o volume carregado, maior o desconto. Até então um navio de 4,5 mil Teus com 60% de utilização pagava US$ 78,80 por Teu para cruzar a via.

Atualmente o valor é de US$ 75 a US$ 77 por Teu. Um navio de 9,5 mil Teus nas mesmas condições pagará de US$ 68 a US$ 71 por Teu.

"A questão é fazer sentido do ponto de vista do custo total", diz Antonio Dominguez, diretor-superintendente da Maersk Line para o "cluster" Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Hoje, o maior armador do mundo não usa o canal para atender o Brasil.

Nelson Carlini, presidente do conselho administrativo da Logz Logística Brasil, holding que tem investimentos em empresas de logística portuária, diz que, além da tarifa do canal, é preciso computar o custo em terra no Brasil para levar a carga para os portos do Norte e Nordeste em vez de para os de baixo.

"Questões como armazenagem e logística terrestre ainda são um problema no Brasil", finaliza.

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